Escrever é um exercício limitado. Extremamente limitado. Escrever está condicionado às palavras, e elas me limitam.
A primeira coisa que eu posso dizer sobre as palavras é que nós brigamos o tempo todo. Nos damos mal. Enquanto eu as tento manipular, elas me escravizam. Elas são meu instrumento, mas eu sou subordinado delas. Eu não sou nada. Eu sou apenas sentimentos. Mas são elas quem tentam dizer o que sinto. É preciso mais de uma vida para aprender todas as palavras. Elas podem ser infinitas. Elas podem ser traduzidas. Mas, quase sempre, são insuficientes. As palavras são uma convenção social. São pessoas buscando, através das mesmas palavras, padronizar sentimentos. Uma busca desesperada por identificação. Por compreensão. Por compaixão. E tudo isso é ilusão.
Eu tento dizer quem sou de acordo com as palavras que me ensinaram. Eu sou limitado a uma língua materna que me foi comunicada desde que nasci. Nós brigamos o tempo todo. As palavras variam de acordo comigo, mas elas não variam. As palavras não são capazes. Se as palavras soubessem o que eu estou passando o tempo todo em que as utilizo para tentar descrever o que acontece, teriam vergonha de existir. Desapareceriam. E isso acontece o tempo todo. O silêncio, a ausência de palavras, se faz presente quando elas são inúteis. Quando não terão nada a acrescentar. O silêncio não é algo ruim. É algo necessário.
As palavras cabem em um livro, mas não cabem em um ser vivo. Um ser vivo é orgânico e mutável. As palavras que saem de mim dependem do organismo que abriga meu ser. Esse organismo respira. Digere. Fatiga. Um dia morre. Mas, acima de tudo, esse organismo fala e escreve. E só. As palavras apenas escrevem. Nunca, no entanto, descrevem.
A filosofia de Bakhtin já teria dito que nosso pensamento é condicionado pela linguagem, pelas palavras. Eu concordo com ela. Mas, ao mesmo tempo, as palavras não são capazes de expressar tudo o que sinto. Ou seja, elas condicionam o pensamento, mas não esgotam os sentimentos. Escrever é o máximo que posso chegar perto de uma expressão, no entanto. Escrever é uma busca por compartilhar a beleza que existe ao meu redor.
“A beleza é algo que você não dá conta de ver sozinho. A beleza é algo que não cabe em você”. Assim falou Bartolomeu de Campos Queirós, escritor brasileiro de literatura infantil, em sua entrevista ao Museu da Pessoa. Até hoje não encontrei melhor definição. “Quando algo é muito bonito, você pensa ‘fulano devia ver isso’. A beleza é profundamente triste quando você está sozinho”.
Mas a beleza é algo variável. O que é realmente belo para você? Eu viajei muito na tentativa de descobrir o que é belo para mim. Eu resolvi pisar no mundo para descobrir o que ele me reservava, em uma busca pela beleza das coisas. No meio dessa jornada eu encontrei lugares, pessoas, sabores e cores que me deixaram tonto. É impressionante tudo que eu vi, vivi e aprendi nos últimos anos. E eu continuo me perguntando a resposta para a coisa mais bela que há.
Tudo pode ser belo. Quantas pessoas hoje quebraram a tela do celular. Ou estão tristes porque o time perdeu. Ou brigando com os colegas de trabalho por causa da temperatura do ar condicionado. Quantas pessoas não se conheceram, ou deram seu primeiro beijo. Quantas pessoas não estão comemorando a chegada de alguém, ou lamentando uma perda. Imagina quantas coisas acontecendo no mundo ao mesmo tempo. Quanta gente. A vida está cheia de emoção e a gente não percebe. Porque é muito confuso. É muita coisa. Então assistimos a filmes, novelas, que filtram e resumem as emoções da vida e nos mostram de uma maneira organizada como ela pode ser bela.
A beleza está em tudo aquilo que não passa despercebido, e que ao mesmo tempo não é possível explicar. Quando minha mãe foi me visitar na França, após nove meses longe dela, eu a levei para tentar mostrar tudo aquilo que me havia me encantado durante o tempo em que estivemos longe. Mas a beleza te passa uma rasteira a todo momento. Substituindo a emoção de outrora por uma nova ainda melhor.
Essa é a imagem da minha mãe tirando uma foto. Parece algo banal. Mas foi ali, vendo o brilho nos olhinhos daquela pessoa que desbravava o mundo pela primeira vez após seus 50 anos, que eu encontrei o que há de mais belo no mundo. Em todo seu jeitinho de empunhar sua câmera digital compacta, mirando para aquilo que lhe chamava a atenção, arrancando um pequeno sorriso despercebido por ela mesma, que a beleza da vida me passou outra rasteira. E o que me resta é a foto da foto. A imitação da imitação. E um registro textual talvez inútil. Porque um bom texto é sempre uma grande frustração. Um bom texto é sempre uma mera tentativa de emoldurar uma emoção, um local, uma situação espetacular, e tentar resumir e eternizar tudo aquilo em algumas palavras, essas que tanto nos limitam.
A arte da tentativa, é o que escrever é para mim. Pensamentos e sentimentos são fugazes. A maneira incrível ou miserável como me sinto em algumas situações nunca voltará. Por isso tento registrar isso. Logo após escrever, aquela pessoa que eu era morre. E tudo o que me resta são estes registros mórbidos de quem eu tive a sorte de ser um dia.
Por isso escrevo. Para tentar contar minha versão sobre o que é sentir. E sentir é viver. Portanto eu falo sobre viver. Sobre ser feliz, ou sobre sofrer.
Sobre as coisas mais belas do mundo.