O Murilo chegou

– Putz, qual deles?

– O de 16.

– Não! O de 16 não…

– Caramba, esse é bobo.

– Demais.

– Se bem que é bobo, mas é feliz. Talvez a gente esteja com inveja.

– Olha, não sei você, 45, mas eu não tenho muita não.

– Por que não, 26?

– Ah, eu gosto da minha vida. Tô me virando sozinho. Tô fazendo o que eu gosto.

– Mas você é um preguiçoso. Só fica em casa, escreve um texto aqui e ali, faz um trabalho, depois passa o resto do dia lendo, vendo seriado, jogando videogame e indo na academia.

– Isso eu tenho de admitir. Mas, vai, nem todo mês é igual esse mês de junho. Tem semanas que eu não tenho tempo para nada.

– Ah, tá bom então. Espera você ter a minha idade. Família, filhos.. você vai ver o que é não ter tempo pra nada.

– E aí, pessoal!

– Oi, 16. Tudo certo?

– Mais ou menos. Caí de skate ontem, tô com o cotovelo todo ralado.

– Vixe.

– Ah, normal. Pelo menos não está atrapalhando na hora de tocar guitarra. Minha banda vai fazer um show esse sábado. Esse vai estar lotado! Tô achando que dessa vez a gente deslancha.

– Hmm, acho que não.

– Você nem sabe.

– Digamos que sei.

– Aparece lá pra ver!

– Deus me livre, esses buracos aí em que você toca, cheio de adolescente que se veste estranho e bebe porcaria. Tive minha fase, foi boa, mas não dou conta mais não.

– Você toca alguma coisa?

– Eu tocava, mas hoje não sei mais nada. Eu deveria voltar a compor.

– É. Você tá meio careta.

– Careta eu não tô não, só não é mais tão simples encontrar os amigos, arrumar tempo para tocar…

– Bitch, please.

– O quê, 45?

– Nada não.

– Quem é aquele ali?

– 13?

– Oi.

– Que cê tá fazendo aqui? Que cara estranha, o que foi?

– Eu… acabei de dar meu primeiro beijo.

– Caramba! E aí?

– Não sei.

– Como assim não sabe?

– Eu gostei. Mas… foi estranho.

– E a menina?

– Sei lá, ela saiu correndo depois.

– Ih…

– Será que eu beijei mal? Será que ela não gostou? E se ela não quiser mais ficar comigo?

– Ah, maninho, relaxa. Depois do primeiro beijo vêm vários. Desencana dessas mina boazinha e aproveita as fácil.

– Que cê tá falando, 16?

– Ué, 26. Tipo uma mina aí, amiga da minha prima. Ela é meio safada, e tá afim de mim. Tudo bem que ela não é muito bonita, mas não é menina pra namorar mesmo, o importante é dar uns pegas e passar a mão.

– Caralho, moleque, cê é muito otário mesmo. Ainda bem que você vai crescer e aprender a não ser machista desse jeito.

– Sei lá, desculpa então. Só queria animar o 13.

– Você mesmo nem sabe ainda o que é bom. Nunca namorou ninguém ainda. Depois que você conhecer alguém especial vai perceber como é bem mais gostoso.

– Ué, se é tão bom por que você tá solteiro?

– Hmm… digamos que não é tão simples assim. Namorar também machuca, e a gente leva tempo pra se recuperar. Tô em outra fase agora, precisando ficar de boa.

– Tá nessa fase há uns 3 anos já, né, meu filho?

– Até você, 45?

– Desculpe, não resisti. Só estou te sacaneando porque sinto saudades de quando eu tinha esse tipo de preocupação na cabeça.

– Pois é. Depois que minha irmã casou a família tá fazendo pressão. Mas eu não faço ideia do que vai ser de mim não.

– Vai ficar tudo certo, fica tranquilo.

– Vai mesmo?

– Você vai ver. Você não faz ideia, mas vai ser melhor do que você pode imaginar. Stay lucky.

– É, no fundo eu tô tranquilo. Tudo no seu tempo.

– E vê se compra logo aquela passagem. Melhor coisa que você faz.

– Quem é aquele chegando, todo pintado de verde?

– Sou eu, o 18. Passei na USP.

– Vixe, esse aí nunca mais vai ser o mesmo.

– Ainda bem. Pensou ser um 16 pro resto da vida?

– Aproveita, cara. Vai ser ótimo.

– Espero aprender muita coisa nas aulas.

– Hahahahaha.

– O quê?

– Nada.

– Eu vou embora. Quero ver se ligo pra ela ainda hoje.

– Vai lá, 13. E fica tranquilo, vai dar tudo certo.

– Espero que sim.

– De onde vem esse barulho de bebê chorando?

– Acho que o Murilo chegou.

– Bom, eu já estava de saída mesmo.

– Vai pra onde, 45?

– Vou pra casa. Tô sentindo que esse ano finalmente começo a escrever meu livro.